Histórico

A Universidade Estadual de Maringá e as grandes redes de computadores internacionais - O começo de tudo: a BITNET 

Por: Julio Cesar Wunderlich, em 06/06/2013

Em dezembro de 1988, o professor Paulo Cezar de Freitas Mathias, que se encontrava afastado para pós-doutoramento no National Institutes of Health (NIH/USA), esteve em férias em Maringá e, entusiasticamente, narrou para o então Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação (PPG), professor Nelson Martins Garcia, as suas experiências com a utilização de redes acadêmicas, destacando que, através do uso de computadores conectados em rede, se tinha acesso a várias Instituições de Ensino Superior e Centros de Pesquisa no país e fora dele e, pelo recurso do correio eletrônico, era possível, entre outras coisas:

  • elaboração de pesquisas conjuntas;
  • parceria em artigos e livros;
  • consulta a distância sobre problemas de pesquisa ou de programas;
  • acesso a outras redes de computadores (HEPNET/JANET/etc.);
  • envio de mensagens a pós-graduandos e outras pessoas que possuíssem endereço eletrônico (e-mail) na Instituição em que se encontravam;
  • transferência de arquivos e programas.

O Reitor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) no período 1986-1990, professor Fernando Ponte de Sousa, deu o seu aval e começou-se, então, a estudar a possibilidade de conectar a UEM nessas redes, para que a comunidade universitária ganhasse acesso a esses recursos (hoje comuns, mas completamente novos, à época).

O principal contato do professor Mathias para esse assunto no Brasil era com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) que, naquela ocasião, desenvolvia a estrutura da Rede Acadêmica do Estado de São Paulo (ANSP – Academic Network at Sao Paulo) e possuía uma conexão internacional, operando na taxa de 4800 bps (bits por segundo), com o Fermi National Laboratory (Fermilab), em Chicago/USA, a qual usava a tecnologia DECnet e permitia acesso à HEPNET (High Energy Physics Network) e à BITNET (Because lt’s Time Network).

Procurada, a FAPESP levou em consideração o fato de que a UEM possuía um mainframe IBM e recomendou que a conexão se desse através da BITNET, rede tipicamente “IBMista”.

Estava, assim, estabelecida a meta: Conectar a UEM à BITNET no primeiro semestre de 1989.

O Núcleo de Processamento de Dados (NPD) da UEM, então dirigido pelo Analista de Sistemas Joaquim Cardoso Tavares, o qual contava com o apoio do também Analista de Sistemas Hélcio do Prado, assumiu a responsabilidade técnica da conexão. De imediato, foi pleiteada a inclusão da UEM como nó (node) BITNET nas tabelas internacionais dessa rede. Quanto à ligação física ponto a ponto entre UEM e FAPESP, por se tratar de uma conexão interestadual, teve que ser requisitada, junto à EMBRATEL, a instalação de um link denominado “canal Transdata”.

No período de janeiro a julho de 1989, foram realizadas várias reuniões entre os representantes da UEM com a FAPESP e com a EMBRATEL/Maringá, objetivando viabilizar tecnicamente essa conexão, mas muitas foram as dificuldades, pois nem a UEM e tampouco a EMBRATEL/Maringá dispunham de pessoal especializado na área de teleprocessamento.

Em julho de 1989, a sonhada conexão ainda não havia se concretizado. Contudo, com o retorno definitivo do professor Mathias de seu pós-doutorado – trazendo mais informações e o grande entusiasmo do usar – e do grande apoio recebido da FAPESP, a PPG fez com que a UEM entrasse na era do teleprocessamento, através de uma ligação provisória com a FAPESP, realizada com dois microcomputadores com modem (um na PPG e outro na Sala de Apoio Computacional à Pesquisa, no NPD), utilizando o serviço RENPAC 2000 da EMBRATEL e acessando remotamente uma conta única no computador da FAPESP (fuem@fapesp.ansp.br), atribuição esta que ficou sob a responsabilidade do servidor Julio Cesar Wunderlich, da PPG, que assumiu, também, a função de postmaster da UEM, contando com o auxílio da colaboradora Magda Chagas Pereira.

Tratava-se de algo muito rudimentar que obrigava o remetente de uma mensagem a usar o campo assunto (subject) para identificar o real destinatário.

Em função desse problema, a FAPESP desenvolveu um sistema, denominado por ela de “canal-M” (numa alusão a “Canal Manual”), o qual permitiu que cada usuário da UEM possuísse um endereço eletrônico (e-mail) próprio, mesmo operando através da conta única da UEM na FAPESP.

Assim, como os recursos computacionais eram escassos, a PPG solicitou ao NPD para que fosse gerado um endereço eletrônico (e-mail) para todos os docentes e para o pessoal técnico-administrativo ocupante de cargo de nível superior ou de chefia – o que foi realizado pelo Analista de Sistemas Carlos Heroyuki Nara Kume e tinha a estrutura <user>@npdvm1.fuem.anpr.br) – e elaborou um folder no qual, além de divulgar o endereço eletrônico de cada um, explicava o que era a rede, para que servia, quem podia usar, como funcionava e como fazer para utilizá-la, possuindo, inclusive, um exemplo de mensagem (e-mail) com essa estrutura.

Entretanto, o funcionamento ainda era rústico, nada sigiloso e centralizado em um microcomputador da PPG, onde o sistema “canal-M” estava instalado. As mensagens a serem enviadas pelos usuários da UEM tinham que ser gravadas em um disquete e levadas até lá, onde o “canal-M” as enfileirava para posterior envio à FAPESP que, por sua vez, enfileirava as que eram destinadas aos usuários da UEM. Periodicamente, se conectava, via modem, o microcomputador da PPG com o computador da FAPESP para que as filas fluíssem de lado a lado. As mensagens recebidas eram, então, impressas e encaminhadas aos respectivos destinatários.

Em dezembro de 1989, nascia o domínio BRFUEM.BITNET, em virtude da inclusão da UEM como nó (node) nas tabelas dessa rede. Então, as atividades correspondentes migraram para o Núcleo de Processamento de Dados, ainda em fase experimental de utilização com o mainframe IBM e com linha discada operando na taxa de 1200 bps, mantendo ativo o canal via microcomputadores para qualquer eventualidade. Mesmo nessas condições, foram obtidos, gratuitamente, via rede, e instalados por Prado, alguns software para o mainframe IBM, os quais permitiram uma maior facilidade na preparação/envio/recebimento de mensagens (MAILER) e nas conversas “on-line” (CHAT). A UEM se tornava, assim, a primeira instituição do interior do Paraná a pertencer à BITNET.

Já com a instalação definitiva no IBM, no mês de fevereiro de 1990 o servidor Julio Cesar Wunderlich, que desenvolvia simultaneamente suas funções na PPG e as de postmaster, foi remanejado para o NPD, onde permaneceu à frente das atividades da rede (node administrator, no jargão da BITNET), além de assumir a função de Supervisor de Operação. Com isso, a conexão via microcomputadores foi desativada, uma vez que a FAPESP, automaticamente, passou a fazer a conversão nos endereços eletrônicos provisórios utilizados até então, de forma a permitir que todas as mensagens fossem recebidas e enviadas através do mainframe IBM, cujos e-mails possuíam a estrutura <user>@BRFUEM.BITNET.

No mês de abril de 1990, finalmente, a EMBRATEL entregou o circuito TRANSDATA ligando a UEM à FAPESP e, consequentemente, ao resto do planeta em tempo integral.

No dia 19 de maio de 1990, após contatos anteriores, foi realizada a conexão da Universidade Estadual de Londrina (UEL) à UEM, para fins de acesso à rede BITNET. A inauguração do sistema na UEL ocorreu oficialmente dois dias depois, inicialmente operando com linha discada. Em 20 de setembro de 1990, a TELEPAR interligou UEL e UEM em tempo integral com a instalação de um “circuito Datapar” de 1200 bps entre elas.

Além da UEL, a partir de junho de 1990, as instituições integrantes da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) também foram conectadas à rede BITNET, na qualidade de usuárias da UEM. Tal conexão perdurou até meados de 1992 e se dava à taxa de 1200 bps.

Impulsionado pelo grande interesse que a rede despertou entre a comunidade universitária, o NPD criou um espaço para que os acadêmicos também pudessem usá-la. A demanda reprimida era muito grande e alguns acadêmicos passaram a explorar os recursos – e, por que não, as vulnerabilidades – com maior intensidade, exigindo uma melhor administração, mas, também, colaborando no desenvolvimento de soluções. Destacam-se: Antonio da Silva Martins Júnior, Evandro José Campitelli, Humberto José Bortolossi, José Luiz de Souza Gomes e Luciano da Rocha Ribeiro.

Paralelamente a isso, os servidores Carlos Eduardo de Almeida Machado, Hélcio do Prado, Julio Cesar Wunderlich e Umberto Katsumasa Tanaka foram explorando os software da rede e, como resultado desse trabalho, foi elaborada uma apostila contendo orientações sobre o seu uso, a qual era distribuída aos usuários no momento em que eles se submetiam a cursos de treinamento, os quais passaram a ser oferecidos periodicamente à comunidade universitária.

Foram desenvolvidos, também, vários programas de assessoramento, os quais permitiam uma melhor utilização dos recursos disponíveis, convertendo extensos comandos a simples instruções. Tais programas fizeram parte do que foi denominado de Sistema Interno de Utilidades (SIU), disponibilizado a todos os usuários.

Dentre esses programas, destaca-se o que foi desenvolvido por Wunderlich, que devolvia ao remetente (se não fosse lista) a mensagem não lida durante um determinado período de tempo. Na medida em que outros administradores da BITNET tomaram conhecimento desse programa, solicitaram cópia dele e, no final do primeiro semestre de 1994, ele estava sendo executado nas seguintes instituições: Universidade Estadual de Londrina, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal de Santa Maria, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal da Paraíba (campus de Campina Grande) e Universidade de São Paulo (Centro de Informática de São Carlos).

No dia 30 de agosto de 1990, foi adquirido da PCL – Protocolo Computadores Ltda – um conversor de protocolo, equipamento que permitiu ao usuário possuidor de um microcomputador PC (com modem) utilizar a rede de sua própria residência, conectando-se ao mainframe IBM da UEM. Após a realização de vários testes, no dia 08 de outubro de 1990, foi feita a instalação do software correspondente na residência do então Reitor, professor Fernando Ponte de Sousa, inaugurando o sistema. A partir de então, tal software foi instalado, sob demanda, na residência de vários outros professores.

No dia 18 de setembro de 1991, foi entregue pela TELEPAR um “circuito Datapar” interligando a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) à UEM, em tempo integral a 1200 bps, para uso da rede BITNET.

A utilização da rede BITNET no mainframe IBM da UEM atingia a marca de 450 (quatrocentos e cinquenta) usuários no final do primeiro semestre de 1994. Entretanto, a quantidade de terminais era limitada (algo próximo a 200 unidades, contando-se os das áreas administrativas) e a interface de trabalho desse computador deixava a desejar, por não ser gráfica e exigir a memorização de comandos e o uso constante de teclas de funções programadas.

Mundialmente, o cenário estava mudando. A Internet – uma rede de redes de computadores conectados e que se comunicam através de um mesmo protocolo – Transmission Control Protocol/Internet Protocol (TCP/IP) – crescia vertiginosamente e passava a disponibilizar serviços não acessíveis através da BITNET, que estava encolhendo – em 1990, estimava-se em 3500 nodes e, em setembro de 1994, possuía aproximadamente 2400 nodes.

O braço da Internet no Brasil é a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) que, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), estava criando o backbone (espinha dorsal) nacional, fazendo chegar um ponto de acesso à Internet em cada estado brasileiro, instalado em uma instituição federal (no Paraná, Universidade Federal do Paraná (UFPR)).

O Governo do Estado do Paraná, então, desenvolveu a Intranet Paraná, levando a Internet para as suas instituições de ensino superior através de uma conexão dedicada com a Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (CELEPAR) que, por sua vez, se conectava à UFPR.

No dia 17 de abril de 1996, a FAPESP comunicou a todos os administradores de rede BITNET de instituições a ela conectadas que o seu canal internacional de dados dessa rede seria desativado a partir de 01 de outubro daquele mesmo ano, ocasião em que a conexão da UEM à rede BITNET deixou de existir.