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Fortuna Crítica

Faces da feiura na escrita de autoria feminina no Paraná (dissertação)

A feiura internalizada no conto Um dia lá longe, de Regina Benitez (capítulo de livro)

Por Maristela Scremin Valério:

De acordo com a crítica Márcia Tiburi, “Regina Benitez nos lança a cada conto ao topo de um prédio muito alto, do qual nos faz olhar para baixo exercitando as angústias acrofóbicas da literatura” (TIBURI, 2013). Essa montanha-russa de sensações provocadas pela obra de Benitez se dá pelo caráter onírico que permeia seus contos, aproximando suas narrativas do surrealismo. “As narrativas marcadas por uma estranha familiaridade falam das sombras da vida, de seus avessos. A surrealidade é estado de espírito que não cessa de irromper na revisão da leitura (TIBURI, 2013).

Assim é a personagem do conto “A menina olhada pelo avesso”, que deseja alimentar-se de carne humana: “Muitas vezes ela pedira: -Eu quero um pedacinho de carne humana- ninguém acreditava nela, porque era amarela e tinha um rosto difícil de ser interpretado” (BENITEZ, 2012, p.75). A mesma personagem tem como sonho matar os irmãos: “Sabia o quanto seria agradável matá-los e sentir o sangue deles correndo-lhes pelos dedos. A senilidade e a loucura aparecem no conto “A velha”, em que a personagem anuncia a proximidade da morte do todos ao seu redor. O estranhamento está presente no conto “A mulher com avestruz”, em que uma jovem de seios fartos montada em um avestruz invade a sala de estar do personagem do conto e desestabiliza sua vida pacata.

É comum nos textos de Benitez a presença de animais, que servem como anunciadores de algo extraordinário ou como substitutos da companhia humana para as personagens deslocadas. Sempre dotados de sensibilidade, as personagens estabelecem um processo de entendimento mútuo com os animais, como no conto “A moça do corpo indiferente”, em que os gatos são a única companhia da mulher, que decidiu parar de falar outros da sua espécie. “Fico no quintal, horas imensas, olhando os gatos redondos e lustrosos, que alimento com pedaços de carne humana: a minha carne” (BENITEZ, 2012, p.9). Ou na chegada inesperada de estranhos acompanhados de animais exóticos, como em “O menino com tamanduá”: “Daí minha perplexidade quando o menino chegou com o tamanduá. Parados diante da porta, ele, de cabelos arrepiados e vermelhos e o tamanduá, de pelos lustrosos” (BENITEZ, 2012, p. 31) ou em “Moço e gambá com estrelas: “Olhei para baixo e vi o gambá. Olhos luminosos e assustados entre os pelos embaraçados, pedindo socorro. Olhei para o lado e vi o moço. Eu ajudo você com esse bicho - falou” (BENITEZ, 2012, p.37).

No texto “Chuva de papel”, Regina descreve sua mente inventiva: “Meu mundo é feito de letras que se transformam e formam situações e personagens. Nunca estou só. Sempre existe uma multidão que eu carrego pra lá e pra cá” (BENITEZ).

É possível perceber em seus contos, que Benitez tem apreço à forma, embora em nenhum momento deixe de se preocupar com conteúdo, como deixa claro na entrevista concedida ao escritor Rodrigo Leão:

"Conto, realmente, é o que o autor acredita ser. Eu tenho lá minhas manias. Uma delas é respeitar a lei das três unidades no quesito que se refere à ação. O tempo e o lugar acho dispensáveis. Mas a ação deve ser, em minha opinião, muito respeitada. O conte deve ser inteiramente fechado e com a mesma estrutura de um diamante. Mas, aqui eu falo dos meus contos. Nos outros, gosto do fragmentado e dou grande importância ao clima." (Texto disponível em: http://www.reocities.com/reginabenitez/curric.html)

Benitez tem um estilo peculiar que vai do grotesco e mórbido a uma extrema sensibilidade para descrever cenas que poderiam acontecer a qualquer um de nós. Sua escrita e a maneira com que conduz a linguagem prendem a atenção do leitor e sempre apresentam uma grata surpresa.