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Fragmentos

A uma borboleta

Empresta-me tua frágil asa frágil, eu quero ter forças para voar. Quero apreender só levezas... Não suporto mais o centro dessa gravidade toda de cenho franzido. Não posso com o peso dos pés, nesses trilhos imantados de ferro.

Ensina-me a polinizar o azul, tocando as hastes-patinhas na volúpia do infinito. Faz-me mamar gotículas brancas, na flor de um copo de leite... Eu preciso chover arcos de cores na íris do céu, conferir, à densidade verde, um farfalhar de pétalas ágeis. Pois a monotonia imóvel dos sérios silêncios da floresta, só perde o medo mistério, quando tuas asas aquareladas pousam na barriga das folhas e as fazem rir alegres cócegas. E o universo saltita numa efusão jocosa, dá gargalhadas de luz, apenas porque o tocaste no abre-fecha ligeiro do leque sedoso de tua sedução.

(De Para que as árvores não tombem em pé, p.237.)

Dessacralização

Despreocupados e livres, caminhavam, matutinos, as calçadas de qualquer domingo. Uma alegria bêbada, não de quem bebeu muito, mas se embriagou demais com a simples presença de um na vida do outro. Que não era simples, mas era o bastante, eles que só assim se bastavam, puros de ar, água e sol... Falavam e riam, em risos falados mansos, fadados que estavam apenas àquela miúda felicidade... Os passos dele largos, os dela curtos, ela que tentava a todo custo o acompanhar... Daí, a igreja... Entraram pela lateral... Entraram só por entrar... Não, não que quisessem assistir missa, melhor a igreja assim vazia, só os dois, só um pouquinho, só agradecer... Que será que agradeciam? A mão dele envolvendo toda a frágil mãozinha dela, ela que de tão pequena, quase nem batia na altura do ombro dele... Ele, que de tão alto, baixava generoso olhar pra encontrar o dela... Ajoelharam e apenas se deixaram ver por alguma imagem, algum santo, algum anjo voando solto no redondo da alta cúpula-vitral de luz. E foi com essa espécie de sabe-se lá que luz, que de lá logo saíram agora enlaçados, nos novos laços de fita de alguma esperança...

(De Para que as árvores não tombem de pé, p. 169)