Fragmentos da obra
A beleza do amar
(O sofá azul)
Da minha janela, vejo dois namoradinhos atravessando a praça. As mãos entrelaçadas, os sorrisos iluminados. Agora pararam para uma despedida. Ele olha o relógio a certificar-se do limite, do minuto em que cada um deverá tomar seu rumo.
Como terapia, detenho-me em expectadora. Comove-me e alegra-me o enlevo exuberante e indisciplinado que emana dos jovens que se amam.
Aquele era um matinal encontro de terna pureza, como estariam havendo milhares, em todos os pontos do mundo – na China, na Indonésia, no Paquistão, na selva africana, em Paris, em Curitiba.
Vivendo a plenitude do seu momento feliz, não ouvem passos em seu redor. Não veem gente se movimentando em torno. Não percebem se olhos curiosos os observam. Se está frio, garoando, ou se há sol que cintila. O mundo deles é o encontro dos dois.
Ela achou bonito o que ele disse, porque sorriu com singeleza, inclinado um pouco a cabeça para o ombro dele. Certamente perguntara se ela estava boazinha e ela respondera que estava ótima, mas assim como se dissesse “obrigada por você existir”. Cada um assimilando o que o outro nem sequer pronunciara. Cada gesto, cada olhar fortalecendo aquela amizade amorosa. Sem a preocupação da conquista. Só o desejo de explodir em delicadezas e, talvez, murmurar uma linda coisa nova, uma coisa agradável que embalasse a sensibilidade de quem diz e de quem ouve.
Posso até jurar que ele repetiu pela milésima vez, “amo você”. Esta ternura pequenina e imensa que iria ressoar no mais íntimo do seu íntimo, durante o resto do dia.
Toda aquela candura me fascina docemente. Ele, como que protegendo uma fragilidade tão feminina, tão desarmada, tão inconsciente. De repente, ela esqueceu de sorrir, mas perdura o ar de beatitude, o ar extraterreno. Os lábios entreabertos não se movem. Só o eloquente silêncio do olhar. Não há mais nada que seja preciso dizer, quando os olhos se encontram serenos, as mãos se tocam, e a alma transborda as inesgotáveis reservas de afeto.
É a beleza de acreditar. A beleza de entender até ao infinito. A grandeza da mútua doação, do mútuo refúgio, sem medo de amar demais.
Agora, se separam. O beijinho apressado. O tchau das mãos desunidas. Será uma rápida e saudosa ausência. Do meu vão da janela, me congratulo e demoro-me com eles no pensamento: vínculos os ligam com fronteiras ainda indefinidas. Naquele dia a soma dele e dela era, insofismavelmente, 1 + 1 = 1. Equação amorosa que tanto tem de linda quanto de efêmera. Se fosse sempre assim, que bom seria viver. Acontece que “futuro” é uma palavra, por vezes, demolidora e poderá chegar a vez que aquele 1 + 1 somará 2.
Que Deus abençoe todos os românticos namorados de hoje e, que jamais os atinja o cataclismo da solidão a dois, consequência de escassas atenções, de diálogos em vias de extinção, de palavras secas, de rebeldias que desgastam. Que Deus ponha a salvo do pânico de desacreditar e da desilusão que decepa de um golpe só. E, sobretudo, que os poupe da indiferença que é a mais fria das sepulturas. É claro, que sempre é tempo de retomar as rédeas e salvar o que se tumultuou, entretanto jamais retornarão àquela euforia máxima de bem início – quando os surpreendemos apaixonados, atravessando as praças ensolaradas.